LED azul?
Essa foi minha reação ao prêmio nobel da física de 2014. Eu preciso admitir que fiquei surpreso, mas não sei o que esperava. Não consigo listar de cabeça nada que mereça o prêmio no lugar, ainda que seja um forte advogado de uma dessas medalhas a Freeman Dyson, mas não esperava um prêmio a algo tão… não sei a palavra. Tão engenharia? É, não esperava o prêmio para algo tão IEEE e tão pouco Physical Review.
E qual é o problema do LED azul? Para entender o mérito do prêmio, precisamos conversar sobre o predecessor do LED, a lâmpada incandescente, e sobre o que é uma cor.
Eu comentei nesse post que enxergamos objetos com cores diferentes porque eles absorvem determinadas frequências e refletem outras. Cores são isso: luz de frequências diferentes. Luz branca consiste em um feixe de diversas ondas eletromagnéticas em várias frequências diferentes, nosso olho interpreta isso como branco. Podemos separar esses feixes com um prisma, pois elas refratam com ângulos diferentes entrando em um meio, é isso que o álbum do Pink Floyd mostra. Mas essa conversa é para objetos que refletem luz branca, o que acontece com os objetos que emitem, eles mesmos, luz? Como essa luz é gerada e como é definida sua cor?
Existem dois jeitos de se produzir luz, que na verdade são o mesmo jeito. Toda luz emitida consiste em um elétron que perde energia e lança essa energia em forma de luz. O primeiro jeito é você ter vários elétrons bem rápidos se batendo. Esse bate-bate causa aceleração, e partículas carregadas, quando aceleradas, emitem luz. A frequência dessa luz, e com isso a cor, depende da violência da pancada, que por sua vez depende de quão rápido o elétron estava indo. Quanto mais rápido os elétrons estão vibrando e se batendo, mais próximo do ultravioleta a radiação emitida estará, enquanto elétrons mais tranquilos emitem radiação no infravermelho. É claro que as pancadas acontecem em diversas velocidades, e o corpo como um todo emite várias frequências, mas como as partículas vibram em uma velocidade média, existe uma “pancada média” e isso faz o corpo emitir luz preferencialmente em uma faixa de frequência, a “cor favorita” do corpo. A intensidade do bate-bate é determinada pela temperatura, e isso acontece em toda temperatura com todos os corpos, inclusive o seu. A temperatura do corpo humano é suficiente apenas para emitir radiação localizada bem fundo no infravermelho, invisível aos seres humanos. Ou seja, você brilha, mas é um brilho especial que nem todo mundo vê.
Se você fosse capaz de enxergar frequências nessa faixa, poderia ver no escuro. Um ser humano seria, portanto, algo assim para você.
Mas nossos olhos sobreviveram a travessia evolutiva para enxergar apenas uma faixa restrita do espectro eletromagnético, por isso não enxergamos nossos amiguinhos desse jeito. A escolha da faixa é explicada por dois motivos: é a frequência favorita de emissão do sol e é uma das pouquíssimas faixas de frequência que não é absorvida pela água. Esse material safado, o H$_2$O, absorve quase todas as faixas de frequência, quase todas as “cores” que existem, exceto as que vemos. Na verdade, a relação de causalidade é invertida; não é coincidência que a água é transparente, nossos olhos foram criados para detectar e interpretar apenas as faixas de frequência que conseguem atravessar a água, porque todas as outras, vindas do sol, são na maior parte absorvidas pela atmosfera. Se pudéssemos apenas enxergar outras faixas do espectro eletromagnético, essas que a água absorve, nossos dias seriam muito mais escuros.
A lâmpada incandescente funciona exatamente assim. Esquentamos o tungstênio, aquele filamento metálico que quando arrebenta dizemos que a lâmpada queimou, e, quando ele atinge a casa dos 3.000 graus, ele brilha. É claro que essa lâmpada emite várias frequências, os elétrons estão se batendo em várias velocidades, mas conseguimos perceber que há uma preferência pelo amarelo por ali.
O segundo jeito de emitir luz é brincar com elétrons em estruturas mais complicadas, sólidos semicondutores ou isolantes. Nesses sistemas, os elétrons não têm muito espaço de manobra, há lugares e energias bem fixos para abrigá-los; elétrons têm lugar marcado em um semicondutor. Somos capazes de embebedar um sólido desses com mais elétrons do que ele gostaria, e somos capazes de arrancar elétrons de um outro sólido. Quando juntamos esses dois, os elétrons de um pulam para o outro, e nesse pulo eles emitem luz. A vantagem desse método é que a cor emitida depende apenas do tamanho do pulo, e é sempre a mesma, porque os elétrons possuem lugar e energia marcados em ambos os sólidos, o que força os saltos de energia entre um sólido e outro a serem sempre os mesmos. Isso é, grosso modo, o princípio do LED.
A cor emitida depende apenas da diferença de energia entre as posições marcadas dos semicondutores, então basta encontrar materiais que, nesse processo, possuem uma diferença de energia cujo salto emita uma radiação no espectro visível. E isso é relativamente fácil para frequências de menor energia, o vermelho e o verde, por exemplo. Chegando perto do azul, no entanto, não é fácil. A diferença de energia entre as bandas (os lugares marcados dos elétrons) dos sólidos deve ser muito alta para gerar o azul, muitos acharam que era impossível. E pior que isso, você precisa do azul para, com o vermelho e o verde, formar luz branca.
Em uma analogia, o LED funciona como uma cachoeira de elétrons. A queda dos elétrons emite luz, e essa luz é proporcional à altura da cachoeira. Para emitir luz azul, precisamos de uma cachoeira muito, mas muito alta, os elétrons precisam acelerar muito para atingir essa frequência. Após quase duas décadas, um grupo de físicos japoneses conseguiu conceber o ajuste certo em nitretos de gálio (lembra desse elemento? pois é, não confunda com gadolíneo) para criar a cachoeiras perfeita, e até outras mais altas. Não apenas isso, o processo podia ser reproduzido em escala industrial, e isso abriu o caminho para a iluminação do século XXI e preparou a aposentadoria da lâmpada de tungstênio.
É fácil ver a razão do LED ser mais econômico. A lâmpada de filamento emite radiação em várias frequências, inclusive várias invisíveis, e a maior parte da energia (95%) que usamos na lâmpada é convertida em calor para o espaço em volta dela, não em radiação. O LED é apenas a luz, apenas uma frequência específica, a cor que queremos, não há desperdício esquentando a ampola para matar os insetos que, como Ícaro, voam perto demais do sol.
Revolucionária, sem dúvida. Interessante, certamente. Econômica, ecologicamente viável, essa descoberta tem tudo para ser eleita uma das tecnologias mais importantes dos anos 80-90. Mas Nobel da física…? Não quero parecer invejoso ou reclamão, o pessoal da matéria condensada merece o prêmio e não vou alimentar as rixas entre as áreas da física, mas convenhamos. Nos anos anteriores tivemos a descoberta de uma nova partícula, uma exploração detalhada do misterioso intricamento quântico, a descoberta da expansão cósmica e a criação de um material de natureza nunca antes vista, o grafeno. Sinto uma diferença entre os prêmios atribuídos a essas quatro descobertas e ao LED azul, elas parecem mais fundamentais, mais interessantes, mais… físicas? Não sei explicar, admito que sou reclamão; perto dos blocos fundamentais da natureza, do intricamento entre luz e matéria, da expansão do cosmos e da criação de um novo estado da matéria, o LED azul me parece só uma cachoeira mais alta.