Em algum momento do ano passado, recebi um email extremamente curioso. Um amigo de infância, que não via havia quase oito anos, mandou-me uma mensagem perguntando como eu estava, o que fazia, disse que havia terminado sua faculdade e, com a devida introdução, perguntou-me se o universo estava se expandindo ou se contraindo. Fascinado com a pergunta, por ser uma das mais interessantes da cosmologia, teci uma resposta, que reproduzo no post de hoje.
“Você me fez uma pergunta difícil, não espere uma resposta simples. Também não espere uma aula ou livro texto, essa não é minha especialidade e eu vou escrever as coisas divertidas que sei de cabeça sobre esse assunto. Você me perguntou um tema polêmico de astrofísica, e deu sorte, porque ele nem é tão especulativo assim. Há muita viagem sobre muita coisa na astrofísica e na cosmologia, essa não é uma dos piores, é, inclusive, uma das mais legais. E para você entender o que vou tentar explicar, preciso te contar um pouco sobre alguns assuntos necessários para entender o debate na física sobre a teoria do multiverso, big crunch, entre outras.
A astrofísica e a cosmologia têm uma grande questão em debate: a curvatura do espaço-tempo. Esse tema é menos viagem do que parece, é um termo matemático bem preciso e pode ser medido na nossa realidade. Vou dar um exemplo do que estou falando. Imagine-se uma formiga vivendo na terra. Você é muito pequeno, não tem a menor noção do que é a dimensão “altura”, para você existe apenas norte, sul, leste e oeste. Nesse seu universo, toda a geometria que você aprendeu no colégio funciona: duas paralelas não se encontram, a soma dos ângulos de um triângulo é sempre 180°, o quadrado da hipotenusa é a soma dos quadrados dos catetos, tudo funciona direitinho. Mas um dia, você estando no equador, decide viajar ao polo norte. Você vai, alcança-o e, lá chegando, decide virar 90°. Você desce e, em um momento, chega ao equador novamente. Nele, decide virar novamente 90°, seguindo a linha até atingir seu ponto inicial. Suponha que você tenha feito isso com um lápis nos pés, desenhando uma linha conforme andava. Você virou duas vezes e atingiu seu ponto de partida, isso implica que você, com o lápis, desenhou uma figura de três lados: um triângulo. No entanto, você nota que seu ângulo de chegada é de 90°, e você fez duas outras curvas de 90°, ora, a soma dos ângulos internos desse triângulo é de 270°! Coloquei uma figura para facilitar sua vida nessa viagem pelo planeta com o lápis.
O que há de errado, afinal? Estaria sua geometria errada? Não, a geometria que você conhece funciona muito bem para suas duas dimensões planas, mas você começa a notar os efeitos de o que chamamos de distorção na geometria. Note que não estamos falando da terceira dimensão, porque a formiga nem consegue imaginar o que é isso e ainda assim consegue medir os efeitos da distorção da sua geometria. Ela não mora em um plano, mas em um espaço que possui o que definimos, na matemática, como curvatura positiva. Uma curvatura negativa seria se ela morasse em um grande vale, nesse caso seus triângulos teriam a soma dos ângulos internos menor que 180°.
A física descobriu que esse pensamento todo não é uma frescura matemática. A presença de um corpo de grande massa, como uma estrela, é capaz de alterar a curvatura do espaço a sua volta, a presença de matéria afeta o espaço e até a maneira como o tempo passa a sua volta, é bem impressionante e matematicamente preciso, podemos calcular com exatidão o quanto o espaço é curvo e o quanto os relógios passam mais devagar perto de um corpo de grande massa. Na verdade, se o que queremos é precisão, até a massa da terra afeta os relógios. Não por menos, o GPS precisa fazer correções pela distorção do espaço tempo pela massa da terra para manter uma precisão razoável, sem elas ele erraria cinco metros a cada segundo.
E nós podemos pensar no que é chamada de curvatura global do universo. Já descobrimos que o universo está se expandindo, ou seja, que as galáxias estão se afastando mais e mais umas das outras. Sabemos também que essa expansão é acelerada, conseguimos até dizer o quanto (ainda que seja um mistério o que está causando essa aceleração). No entanto, não sabemos se essa aceleração está aumentando ou diminuindo, se o universo vai se expandir indefinidamente ou se a aceleração está diminuindo para dar espaço a uma contração que faria o universo voltar pouco a pouco ao que era antes, colapsando em um inverso do Big Bang. O que poderia nos dizer isso? A curvatura do espaço.
Há uma relação íntima entre a taxa de aceleração do universo e essa curvatura dele. Se descobríssemos se a curvatura é positiva ou negativa, saberíamos o futuro do universo; pois o mesmo mecanismo que causa a expansão do universo causa sua curvatura e, medindo um, poderíamos pedir o outro. O problema é que não conseguimos medir isso com exatidão. Aliás, até conseguimos, mas o valor que obtemos para a curvatura não é conclusivo. Há um parâmetro chamado $\Omega$ que, se maior que 1, teríamos um universo de curvatura positiva, se menor que 1, teríamos um de curvatura negativa. O valor que medimos atualmente (da última vez que vi esse valor, deve ter mudado agora) é $\Omega = 1,0002\pm 0,0003$, ou seja, tanto um valor maior que 1 quanto um valor menor que 1 estão dentro do erro experimental da medida. Não conseguimos decidir, e isso nos incomoda bastante!
Coloquei um gráfico que parece difícil, mas não é. Ele mostra como seria o destino dos possíveis universos segundo a curvatura deles. Note que quando a curvatura é positiva, o $\Omega$ é maior que 1, então a distância entre as galáxias, depois de um tempo, começaria a diminuir e, invariavelmente, tudo voltaria ao ponto central do Big Bang. Se a curvatura é positiva, a expansão seria indefinidamente acelerada.
E se $\Omega = 1$? Para entender o motivo de isso não ser tão razoável, precisamos entender o que é esse valor. Não apenas ele mede a curvatura do espaço, ele é também um indicador da densidade do espaço. Existe um valor, chamado densidade crítica, que define o comportamento do futuro do universo: se nosso universo é mais denso que essa densidade crítica, então $ \Omega >1$, se é menos, $\Omega <1$. Ora, dizer que é exatamente igual a 1 é dizer que a densidade do universo é ajustada como que por mágica para ser exatamente essa densidade crítica, isso não é razoável.
E sabemos que, por mais perto de 1 que esse $\Omega$ esteja, se ele for maior que 1, no longo prazo isso levaria a uma desaceleração da expansão e a uma contração. Ainda, por outras evidências, a melhor hipótese é a da expansão ilimitada.
Então, como resposta, tenho isso: não sabemos completamente. Inferimos, medidos e ficamos maravilhados com essa relação entre geometria, futuro e densidade do universo, mas ainda não podemos determinar com exatidão seu futuro. E essa é nossa missão como físicos: descobrir o destino último do universo, tendo apenas um planeta, nossos sentidos e nossa razão.”