Ano passado, publiquei um post sobre a expansão do universo. É um assunto fascinante que me impressiona duplamente: primeiro porque é interessante saber que o universo está se expandindo e que não sabemos exatamente o que acontecerá com ele, segundo porque conseguimos, flutuando em uma pedra ínfima que gira em torno de um estrela pequena isolados em um canto qualquer do universo, usando apenas a razão, sondar os mistérios da origem e fim de tudo o que existe. Temos como normal o fato de sabermos coisas como o Big Bang, ou a expansão do universo; ainda que isso seja o equivalente a uma civilização que mora em um grão de areia na Terra ser capaz de entender geopolítica e relações internacionais.
Semana passada tive o privilégio de trombar com um artigo na Physical Review Letters sobre teorias atuais da expansão do universo. Como físico, é meu trabalho estar em dia com essas coisas, ainda que estejam muito distantes de minha área. O artigo desbanca uma possível solução para o famoso problema dos 9%, encerrando uma discussão de duas décadas, abrindo caminho para, quem sabe, nova física e uma nova concepção do universo. Para entender o que aconteceu, precisamos entender esses 9%.
O universo está se expandindo, é verdade, mas resta saber quanto. Podemos medir esse valor de duas maneiras diferentes: ou perguntando aos vizinhos, ou tirando fotos de vários cantos do universo e tirando a média dessas fotos. O primeiro método consiste em medir a expansão de objetos em torno da terra (em torno eu digo perto de nossa galáxia, não Marte ou Júpiter), você observa, vê o quanto eles estão se afastando, e tira um valor disso. O segundo consiste em estudar a radiação cósmica de fundo, que são ondas eletromagnéticas chegando de todos os cantos do universo e atingem a Terra. Isso seria o equivalente a tirar uma foto em baixa resolução de todo o universo, com isso podemos obter a média da expansão. Eis o problema, esses métodos produzem valores bem diferentes.
O que medimos não é a aceleração propriamente dita. Por razões relativísticas, falar de aceleração de algo em metros por segundo ao quadrado não faz tanto sentido quanto você gostaria. Medimos o chamado parâmetro de Hubble, um $H_0$, que tudo tem a ver com o $\Omega$ de meu post anterior. Esse $H_0$ define a expansão do universo. No primeiro método, temos que $H_0=73,8\pm 2,4$ km/(s.Mpc), essa é a unidade do $H_0$. No segundo método, temos $H_0=67,80\pm 0,77$ km/(s.Mpc). É fácil ver que esses valores são incompatíveis, e isso é um problema.
Um leitor pode argumentar que essa diferença nem é tão grande, apenas 9%, afinal, estamos falando de cosmologia, erros de 20% são quase certeza absoluta. Com um pouco mais de integridade intelectual, podemos nos convencer de que esse é um problema grave; se a constante de Hubble valesse, por exemplo, R$3,00, a diferença seria de mais de vinte centavos. Mas a questão está longe de ser vinte centavos, é algo mais profundo, algo acontece para causar essa diferença e não sabemos o que é.
A teoria mais interessante para explicar essa diferença era a chamada Hubble Bubble, a bolha de Hubble. Ela começava se perguntando: por que nosso parâmetro de Hubble $H_0$ haveria de ser igual ao da média do universo? E se estivermos em uma região particularmente pouco densa, como que por acaso caímos nela na criação do universo, o que isso teria de estranho? Não que ocupemos uma posição privilegiada no universo, mas um fruto do acaso e das flutuações estatísticas pode ter feito com que tenhamos surgido em uma região pouco densa do universo. Isso seria tão estranho quanto alguém nascido em Cândido Mota achar que a geografia está errada porque a média de tamanho de cidades em São Paulo é muito maior que o da sua cidade.
Uma Hubble Bubble seria uma região do universo com uma densidade não convencional. A seguir, fotos de duas Hubble Bubbles:
O artigo da semana passada, no entanto, derruba a teoria. Ele prova que as alterações típicas de densidade do universo são capazes de explicar no máximo 3% na diferença do valor, sendo uma variação de 9% algo extremamente raro, que nos colocaria de fato em uma posição privilegiada no universo.
A cosmologia sempre fica mais interessante quando teorias caem e não sabemos o que está acontecendo. Se a bolha de Hubble não é capaz de explicar a variação na aceleração do universo, fica aberta a porta da nova física, do inesperado, para salvar nosso modelo, ou para destruí-lo completamente com uma descoberta revolucionária. Ou teremos variações de densidades não previstas pela teoria atual da cosmologia, ou descobriremos defeitos fundamentais na medição de grandezas astronômicas, ou algo muito, muito estranho está acontecendo nessa galáxia.