Hoje não tem modelo ou coisa muito complicada, vamos falar de conhecimento, e de um de meus contos favoritos: a biblioteca de Babel. Publicado por Jorge Luis Borges em 1941, esse conto apresente um universo distópico de excesso de informação fascinante. Passando por ele, comento um pouco do propósito desse blog, e do valor da educação convencional e análise crítica e científica em uma era dominada pela consulta imediata a todo conhecimento humano na ponta dos dedos em um celular.
Imagine uma grande biblioteca, grande mesmo. A descrição de Borges é intrincada e interessante, a estrutura da biblioteca é feita de hexágonos intrincados com prateleiras repletas de livros em ordem aparentemente aleatória. A biblioteca contém apenas livros de exatas 410 páginas, com cada página tendo 40 linhas e cada linha contendo 80 símbolos. Para simplificar, esses símbolos são apenas 22 letras, espaço, vírgula e ponto; estamos usando um alfabeto simplificado. Essa biblioteca é única por uma característica curiosa, ela contém todos os livros possíveis de 410 páginas.
É um projeto ambicioso, mas seguramente podemos dizer que a biblioteca de Babel é finita. Uma conta rápida nos mostra que ela contém $25^{410\times 40\times 80}\approx 10^{1.834.097}$ livros. Em comparação, a maior biblioteca do mundo, a British Library, tem $1.5.10^8$ livros. Em termos de bits, a biblioteca de babel contém aproximadamente $2^{6.092.738}$ bits, ou bytes, não lembro a diferença, mas chega nessa escala de números essas definições são pálidas para descrever a grandeza da biblioteca de Babel.
O conto é muito interessante e descreve o universo dos cidadãos atormentados por esse sonho sadista de um deus cruel criador do maior pesadelo de um bibliotecário. Existem puristas que desejam queimar todos os livros que não fazem sentido para preservar apenas os puros, os sagrados, que contam algo com nexo; ainda que haja intensos argumentos e debates, pois um livro aparentemente sem sentido pode ter nexo, coerência e coesão em alguma língua desconhecida. Talvez seja o trabalho deles descobrir essa língua, mas até que ponto isso não seria, ao mesmo tempo, definir o conteúdo do livro?
Mais do que isso. Nessa biblioteca certamente há um livro relatando exatamente o seu futuro, e o meu, e todos os nossos futuros possíveis que podem ser descritos em 410 páginas. Nessa biblioteca há uma lista de todos os seus romances, suas aventuras, seus desejos, e esse post do blog. Ainda, é uma coleção finita de livros, bastaria você procurar com carinho e você acharia, após algum tempo, todas as respostas que busca, e todas as perguntas que teve.
Não quero lançar spoilers, paro por aqui. A ideia da biblioteca me fascina por motivos diferentes, eu vejo partes de Babel em meu dia a dia como divulgador e como quem se interessa por muitas coisas que não conhece. O maior problema da biblioteca, e talvez sua principal característica, é sua inutilidade completa. Se você quer alugar um livro, digamos “História do Brasil“, de Boris Fausto, dizer título e autor não basta. Não apenas esse livro está na biblioteca, mas todas as $410\times 40\times 80$ variantes com um erro de digitação, ou as variantes com dois erros de digitação, três, quatro, cinco e assim por diante. Para obter o livro “História o Brasil“, você precisaria especificar letra por letra o livro que deseja, ferindo o propósito do aluguel. Em outras palavras, para especificar um livro, você precisa fornecer a mesma informação contida no livro, tornando a obtenção do livro inútil.
E observo Babel na vida real diversas vezes na Internet. Como disse um amigo, quando eu cheguei na Internet era tudo mato. Quinze anos depois, essa soma do conhecimento humano está longe de atingir os padrões de Babel em termos de bits ou bytes, mas está crescendo, tornando-se gigantesca e por vezes lembra os hexágonos da biblioteca do pesadelo. Imagine que você busca algo sobre evolução, vacinas, dietas, curas, física quântica ou sobre a importância das estrelas em nosso dia a dia. Esses temas possuem tanto ruído, tantos “livros com erros de digitação”, que você precisa fornecer mais informação para obter o conhecimento que deseja. Você precisa já saber e conhecer alguns desses temas para navegar nas sugestões de sua consulta, correndo o risco de cair em um dos livros da categoria que os puristas adorariam queimar.
Muita coisa na área científica dessa grande Internet está mal explicada, distorcida, deturpada, por uma mistura de charlatães e leigos bem-intencionados com pouca paciência para aprender ciência como se deve. Meu trabalho, e o seu, é iluminar os bons livros, permitindo que sejam encontrados com menos informação do que eles contêm. É uma cruzada contra o ruído, contra a pseudociência, abrindo caminho nessa internet que ainda tem muito mato para se cortar.
Só como curiosidade, a biblioteca de Babel existe na internet. É bem interessante o jeito que conseguiram fazer ela, se interessar dar uma pesquisada.
Link: https://libraryofbabel.info
Eu cheguei a ver, é de fato bem divertido. Ficando tempo suficiente na tela inicial os menus ganham todas as configurações possíveis de menu, o que deixa a página bem divertida, e desesperadora.
Esse seu post já tinha sido escrito antes, Ricardo!
https://libraryofbabel.info/bookmark.cgi?gbs,es373
😉
Acho que é até mais grave do que um problema de ruído. Quando você tem que dar tanta informação para encontrar algo, acaba encontrando exatamente o que queria, o que só ajuda na preservação de certos dogmas ideológicos e religiosos. O indivíduo “vai a rede” para buscar informação, e acaba encontrando apenas o que reforça o que ele já acreditava (agora validado por algum “expert”).