Abri hoje um site de notícias brasileiro, esperando ler sobre o grande evento do dia. Estadão, Folha, Uol, nenhum deles tinha nem na parte de ciência qualquer informação sobre o grande acontecimento vindo do polo sul, e dos confins do universo. O New York Times o registra, felizmente, colocando em destaque na página principal. O destaque não é completo, a notícia está abaixo de uma análise sobre Putin e abaixo da morte da namorada do Mick Jagger. Com todo respeito à família da Sra. Scott, e com o povo na Crimeia, essas notícias não estão em proporção.
Cientistas em um observatório no polo sul anunciaram a detecção de ondas gravitacionais. Quem teve aula de relatividade geral e atravessou a aula de ondas gravitacionais lembra do amargo na voz do professor quando esse anunciava que o assunto da aula do dia nunca havia sido detectado, que aquela aula não estava tão longe de se estudar a anatomia do Pé-grande, mas essa notícia não veio apenas para confirmar, mais uma vez, a teoria de Einstein. Se fosse apenas mais uma prova de que uma teoria de 99 anos está correta, não merecia tanto espaço. O que foi feito no polo sul, no entanto, merece o Nobel.
O impacto dessa descoberta precisa de uma historinha para ser entendido, e é uma história bem antiga. Aliás, é a mais antiga: no princípio, houve uma explosão. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu entre o segundo zero e $10^{-34}$ segundos, mas os astrofísicos e cosmólogos têm muitas teorias que começam a valer a parte dessa marca dos $10^{-34}s$. A melhor delas é a da inflação cósmica: o espaço-tempo expandiu de forma drasticamente acelerada e em seguida diminuiu a taxa de expansão. Essa teoria surgiu para explicar muita coisa estranha nesse nosso universo, muita gente tenta ajustar nessa teoria grandes questões não-explicadas, desde problemas na formação de galáxias à grande desproporção entre matéria e antimatéria no universo. Essa inflação deve ter causado muito alvoroço no universo, mas aconteceu em um passado tão remoto que muitos achavam impossível encontrar qualquer traço direto dela hoje. Muitos achavam, mas não todos.
Existe uma boa quantidade de radiação atingindo a terra que vem de um período muito antigo no universo. Essa radiação é como um barulho de aparelho eletrônico ligado em seu quarto, muito baixa, imperceptível, vindo de todos os lados. Recebemos essa radiação porque ela ainda está “chegando à Terra”, desde aquele período. A grande descoberta vinda do polo sul é sobre a polarização dessa luz. Eu comentei um pouco sobre polarização neste post sobre a luz, mas a ideia é que uma luz polarizada está oscilando em uma direção específica. A radiação cósmica de fundo está também oscilando em uma direção específica, dependendo de onde você a observa. O mapa de “direção de oscilação” é o que revela a natureza dessa descoberta, ele é algo assim:
Esse perfil na polarização da radiação cósmica de fundo é um resquício de uma época em que as ondas gravitacionais eram fortes o suficiente para deixar marcas nesse espectro. Ainda que elas atualmente sejam fracas demais para serem detectadas pelos instrumentos que temos, como se estivessem extintas, a imagem acima é o fóssil da inflação, como um inseto preservado em seiva de árvore que vem nos contar de um tempo em que o universo era jovem e cheio de problemas.
Para ser claro, não foram detectadas exata e diretamente ondas gravitacionais, e há gente séria trabalhando nisso, assim como nunca encontramos um dinossauro. Mas os ecos dessas ondas foram descobertos, e o escrutínio da comunidade científica será intenso para confirmar se as tais ondas são de fato a única, ou a melhor, explicação para esse quadro lindo de azuis e vermelhos que observamos na imagem acima.
A manchete no jornal deveria ser: primatas em um pedaço de rocha flutuando em torno de uma estrela mediana contemplam de relance informações sobre a origem de todo o universo. Formas de vida à base de carbono, usando giz, lousa e instrumentos fabricados na rocha, são capazes de deduzir detalhes sobre explosões de escala cósmica, sobre a formação das bilhões de bilhões de estrelas, das bilhões de galáxias, revelando um pouco mais sobre nossa relação com o cosmos, nosso lugar nele, nossas origens e nosso destino.