Esses dias, cheguei a uma notícia que me traz aquele arrependimento de não ter, ao decorrer da vida, juntado uma coletânea das melhores matérias começadas ou terminadas por “estudo indica”. Já vi de tudo, desde estudo indicando o aumento dos preços de guarda-chuva quando chove a pesquisas apontando que o turismo será a indústria mais beneficiada na Copa do Mundo. Essa notícia, no entanto, chocou-me mais que as outras, é ela, da UOL: Estudantes que usam Twitter têm notas melhores e são mais comprometidos, aponta estudo.
A primeira coisa que aprendemos em uma aula de estatística é o lema, que levamos para nossa vida, correlação não implica causalidade. Arrisco dizer que a maior parte das torturas a que a estatística é submetida na mídia vêm dessa confusão, achar que porque duas coisas acontecem juntas, ou parecem acontecer juntas, então uma causa a outra, é o famoso achar que o Sol nasce porque o galo canta. Esse estudo não é diferente.
Somos levados a entender, pela matéria, que o Twitter é algo bom para os estudos. Segundo a autora da pesquisa: “Caroline chegou à conclusão de que o formato ‘tempo real’ do microblog permite que estudantes possam escrever de forma concisa, fazer pesquisas com resultados atualizados e, eventualmente, se comunicando diretamente com autores e pesquisadores.”. Esqueceram de avisar a essa senhora que os adolescentes não estão produzindo poesia moderna fixa a 140 caracteres, as pesquisas atualizadas feitas dificilmente versam sobre temas escolares (para isso se usa Google e Wikipédia) e se o abismo entre um pesquisador e o público já é grande, não são 140 caracteres que ajudarão.
Se precisasse opinar, seguiria Saramago nessa. Quando perguntado se, agora que tinha um blog, faria um Twitter, o escritor não hesitou: “Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.”. Um pouco drástico, mas me parece mais realista que o Twitter como novo mecanismo literário da juventude.
Ainda, o que me choca não é a ingenuidade panglossiana do estudo, mas a inferência de que se duas coisas vão juntas, uma certamente causa a outra. Uma explicação mais simples, e mais honesta, seria argumentar que alunos que usam Twitter de forma regular têm mais acesso à internet, mais interesse em ter esse acesso, acabam sendo expostos a mais conteúdo e costumam, como em um pacote, ser capazes de aprofundar seus interesses e seus estudos em seus interesses. O Twitter nada tem a ver com isso, e a notícia é propositalmente sensacionalista e enganosa. Causa-me espécie esse tipo de reportagem e o uso que ela faz de estatística.
Não apenas ela, costumamos, de maneiras mais ou menos sutis, associar correlação em causalidade no cotidiano. Desde usar aquela cueca da sorte em dia de final de campeonato a coisas mais sérias, como proibir seu filho de se divertir com um jogo porque o maníaco que atirou e matou cinco jogava o jogo, ou como o absurdo de justificar preconceitos dizendo que todas as vezes em que foi assaltado foram por pessoas de uma raça específica, ou que se vestiam de tal forma. O raciocínio por inferência é natural ao ser humano, devemos nos policiar para que esse instinto não se torne superstição, preconceito, ingenuidade ou, simplesmente, a crença de que o sol nasce porque o galo canta.
Para encerrar, deixo-lhes alguns gráficos para provar estudos muito mais relevantes. Todos nos quais correlação e causalidade são, comicamente, subvertidas e comparadas.
Estudo indica: o número de piratas em atividade pode afetar diretamente o aquecimento global. Salve o planeta, torne-se um pirata.
Estudo indica: comer chocolates aumenta suas chances de ganhar um prêmio Nobel. (Usei esse gráfico como exemplo cômico. Para meu horror, ele foi base de um artigo sério da BBC após a publicação desse post! Eles até colocam no final que correlação não implica causalidade, mas para quem lê os primeiros parágrafos, o jogo está perdido.)
Estudo indica: a qualidade do Rock afeta diretamente a produção de petróleo de um país.
Famosas pesquisas do Fantástico… Ex: Comer maça plantando bananeira aumenta as chances de ter um câncer.
Aliás, bizarra a escala do eixo x do primeiro gŕafico, não?
É bem mal feita mesmo, o cara só pegou um gráfico pronto de temperatura por tempo e trocou o eixo X. Felizmente ainda dá para entender a piada.
Pronto, refiz o gráfico eu mesmo, acho que ficou mais claro.
Outra coisa que me irrita muito nessas matérias genéricas é “Segundo o especialista Fulano de Tal…”. Ora, especialista em que? Qual a formação do cara? O cara já contribuiu com alguma coisa para a comunidade científica?
A propósito, excelente artigo.
Eu não poderia concordar mais, não há título mais vazio que “especialista”.
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